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sábado, 28 de junho de 2014

A GRAÇA DE DEUS


"Une-te pois a ele, e tem paz, e assim te sobrevirá o bem (Jó 22:21). "Assim diz o Senhor: Não se glorie o sábio na sua sabedoria, nem se glorie o forte na sua força; não se glorie o rico nas suas riquezas. Mas o que se gloriar glorie-se nisto: em me conhecer e saber que eu sou o Senhor..." (Jeremias 9:23-24). Um conhecimento salvador e espiritual de Deus é a maior de to­das as necessidades de cada criatura humana.
O fundamento de todo conhecimento verdadeiro de Deus só pode ser a clara compreensão mental de Suas perfeições, segundo revelam as Escrituras Sagradas. Não nos é possível servir nem adorar a um Deus desconhecido, nem depositar nEle a nossa confiança. Neste breve livro fez-se um esforço para apresentar algumas das principais perfeições do caráter, divino. Para que o leitor se beneficie realmente com a leitura das páginas que se seguem, ele precisa suplicar a Deus com seriedade e determinação que as abençoe para seu proveito, que aplique Sua verdade à consciência e ao coração, a fim de que a sua vida seja transfor­mada.
Necessitamos algo mais que um conhecimento teórico de Deus. Só conhecemos verdadeiramente a Deus em nossa alma, quando nos rendemos a Ele, quando nos submetemos à Sua auto­ridade e quando os Seus preceitos e mandamentos regulam todos os pormenores da nossa vida. "Conheçamos, e prossigamos em conhecer ao Senhor..." (Oséias 6:3), "Se alguém quiser fazer a vontade dele... conhecerá" (João 7:17). "... o povo que co­nhece ao seu Deus se esforçará e fará proezas" (Daniel 11:32).
Os capítulos que se seguem apareceram pela primeira vez na revista mensal "Studies in the Scriptures" (Estudos nas Escrituras), publicada pelo autor e totalmente dedicada à exposição da Palavra de Deus e à provisão de alimento espiritual para almas famintas. Estes artigos foram reeditados em sua presente forma graças à generosidade de um amigo cristão que financiou o custo total de sua publicação. Se Deus o permitir, o produto da venda deste livro será empregado na publicação de outros, de natureza similar. Seja sobre ele a bênção de Deus.
ARTHUR W. PINK
( Capítulos 13 e 14 do livro "Os atributos de Deus" de A. W.  Pink)
13  A GRAÇA DE DEUS
Esta perfeição do caráter divino só é exercida em favor dos eleitos. Nem no Velho Testamento nem no Novo jamais se men­ciona a graça de Deus em conexão com a humanidade em geral, e muito menos com as ordens inferiores das Suas criaturas. Nisto a graça se distingue da "misericórdia", pois a misericórdia é "... sobre todas as suas obras1' (Salmo 145:9). A graça é a única fonte da qual fluem a boa vontade, o amor e a salvação de Deus para o Seu povo escolhido. Este atributo do caráter divino foi definido por Abraham Booth em seu proveitoso livro, The Reign of Grace — O Reino da Graça, assim: "É o livre, absoluto e eterno favor de Deus, manifesto na concessão de bênçãos espirituais e eternas a culpados e indignos.
A graça divina é o soberano e salvador favor de Deus exercido na dádiva de bênçãos a pessoas que não têm em simérito nenhum, e pelas quais não se exige delas nenhuma compensação. Não apenas isso, é ainda mais; é o favor de Deus demonstrado a pessoas que, não só não possuem merecimentos próprios, mas são totalmente merecedoras do inferno. É completamente imere­cida, não é procurada de modo nenhum e não é atraída por nada que haja nos objetos aos quais é dada, por nada que deles pro­venha, e tampouco pelos próprios objetos. A graça não pode ser comprada, nem obtida, nem conquistada pela criatura. Se pudes­se, deixaria de ser graça. Quando dizemos que uma coisa é "de graça", queremos dizer que seu recebedor não tem direitos sobre ela, que de maneira nenhuma ela lhe era devida. Chega-lhe como pura caridade e, a princípio, não solicitada nem desejada.
A mais completa exposição da maravilhosa graça de Deus acha-se nas epístolas do apóstolo Paulo. Em seus escritos "graça" está em direta oposição obras e merecimento, todas as obras e todo merecimento, de qualquer espécie ou grau. Vê-se isto com muita clareza em Romanos 11:6, na versão utilizada pelo autor: "E se é por graça, já não é pelas obras; de outra maneira, a graça já não é graça. Se é por obras, já não é pela graça; de outra maneira, as obras já não são obras". É tão impossível unir a graça e as obras, como o é unir um ácido e um álcali. "Porque pela graça sois salvos, por meio da fé; e isto não vem de vós; é dom de Deus. Não vem das obras, para que ninguém se glorie (Efésios 2:8-9). O absoluto favor de Deus não pode harmonizar-se com o mérito humano, mais do que o óleo e a água fundir-se num só elemento. Ver também Romanos 4:4-5.
São três às principais características da graça divina: primei­ra, é eterna. A graça foi planejada antes de ser exercida, e fez parte do propósito divino antes de ser infundida: "Que nos salvou, e chamou com uma santa vocação; não segundo as nossas obras, mas segundo o seu próprio propósito e graça que nos foi dada em Cristo Jesus antes dos tempos dos séculos" (2 Timóteo 1:9). Segunda, é livre, ou gratuita, pois ninguém a pôde comprar jamais: “Sendo justificados gratuitamente pela sua graça..." (Ro­manos 3:24. Terceira, ê soberana, porque Deus a exerce em favor daqueles a quem Lhe apraz, e a estes a concede: "Para que... também a graça reinasse..." (Romanos 5:21). Se a graça "reina", ocupa um trono, e o ocupante do trono é soberano. Daí o "... trono da graça..." (Hebreus 4:16).
Exatamente porque a graça é um favor imerecido, exerce-se necessariamente de maneira soberana. Portanto, o Senhor declara: "Terei misericórdia" (ou graça) "...de quem eu tiver misericór­dia,..'" (Êxodo 33:19). Se Deus mostrasse graça a todos os des­cendentes de Adão, os homens logo concluiriam que Ele, sendo justo, estava compelido a levá-los para o céu como uma razoável compensação por ter deixado a raça humana cair em pecado. Mas o grande Deus não está sob nenhuma obrigação para com nenhu­ma de Suas criaturas, menos ainda para com os que são rebeldes contra Ele.
A vida eterna é um dom e, portanto, não pode ser obtida pelas boas obras, nem reivindicada como um direito. Vendo que a salvação é um "dom", quem tem direito de dizer a Deus a quem Ele deve doá-lo? Não é que o Doador recusa este dom a qualquer que o busque de todo coração e de acordo com as re­gras que Ele prescreveu. Não; Ele não o recusa a ninguém que O busca de mãos vazias e da maneira determinada por Ele. Mas, se de um mundo impenitente e incrédulo Deus está resolvido a exercer o Seu direito soberano escolhendo um número limitado de pessoas para serem salvas, quem sai prejudicado? Estará Deus obrigado a impor o Seu dom aos que não lhe dão valor? Estará Deus compelido a salvar os que estão determinados a seguir o seu próprio caminho!
Nada, porém, enraivece mais o homem natural e mais con­tribui para trazer à tona a sua inata e inveterada inimizade con­tra Deus, do que insistir com ele sobre a eternidade, a gratuidade e a absoluta soberania da graça divina. Dizer que Deus formou Seu propósito desde a eternidade, sem nenhuma consulta à cria­tura, é demasiadamente humilhante para o coração não quebrantado Dizer que a graça não pode ser adquirida ou conquistada pelos esforços do homem, esvazia demais o ego dos que confiam em sua justiça própria. E o fato de que a graça separa os que ela quer para serem os objetos do seu favor, provoca acalorados protestos dos rebeldes arrogantes. O barro se levanta contra o Oleiro e pergunta: "Por que Tu me fizeste assim?' Um rebelde infrator da lei atreve-se a questionar a justiça da soberania divina. Vê-se a distintiva graça de Deus no ato de salvar aqueles que Ele separou soberanamente para serem os Seus favoritos. Com "distintiva" queremos dizer que a graça discrimina, faz diferenças escolhe alguns e deixa de lado outros. Foi a distintiva graça de Deus que separou Abraão dentre os seus vizinhos idolatras e fez dele "o amigo de Deus". Foi a distintiva graça que salvou "publicanos e pecadores", mas disse acerca dos fariseus: Deixai-os" (Mateus 15:14). Em parte nenhuma a glória da livre e soberana graça de Deus fulge mais conspicuamente do que na indignidade e diversidade dos que a recebem. Esta verdade foi belamente ilustrada por James Hervey (1751):
"Onde o pecado abundou, diz a proclamação do tribunal do céu superabundou a graça. Manasses foi um monstro cruel, pois fez passar seus próprios filhos pelo fogo, e encheu Jerusalém de sangue inocente. Manasses foi-perito em iniqüidade, pois, não só multiplicou, chegando a extremos extravagantes, as suas impiedades sacrílegas, como também envenenou os princípios e perver­teu os costumes dos seus súditos, fazendo-os agir pior do que os pagãos idolatras mais detestáveis. Veja 2 Crônicas 33. Contudo, através desta super abundante graça, ele se humilhou, mudou de vida, e se tornou um filho do amor que perdoa e um herdeiro da glória imortal.
"Vede Saulo, aquele perseguidor cruel e sanguinário, quan­do, respirando ameaças e disposto à matança, atormentava as ove­lhas de Jesus e levava à morte os Seus discípulos. A devastação que causara e as famílias inofensivas que arruinara, não eram su­ficientes para mitigar o seu espírito vingativo. Eram apenas uma amostra para o paladar que, em vez de saciar a sede de sangue, fizeram-no seguir mais de perto a presa e ansiar mais ardentemente pela destruição. Continuava sedento de violência e morte. Tão ávida e insaciável era sua sede, que chegava a respirar amea­ças e mortes (Atos 9:1). Suas palavras eram verdadeiras lanças e flechas, e a sua língua, uma espada afiada. Para ele, ameaçar os cristãos era tão natural como respirar. Nos propósitos do seu coração rancoroso, eles não paravam de sangrar. Só devido à falta de poder é que cada sílaba que proferia e cada sopro da sua respiração não espalhavam mais mortes nem faziam cair mais discípulos inocentes. Quem, segundo os princípios da justiça hu­mana, não teria pronunciado vaso da ira, destinado a inevitável condenação? E mais, quem não estaria pronto a concluir que, se houvesse cadeias mais pesadas e masmorra mais triste no mundo das torturas, certamente se reservariam para tão implacável ini­migo da verdadeira religiosidade? Entretanto, admirai e adorai os inexauríveis tesouros da graça — este Saulo é admitido na santa comunhão dos profetas, é enumerado com o nobre exército de mártires e faz distinguida figura no glorioso colégio dos apóstolos.
"Era proverbial a maldade dos coríntios. Alguns deles cha­furdavam em tão abomináveis libertinagens, e estavam habituados a tão ultrajantes atos de injustiça que eram uma infâmia até para a natureza humana. Contudo, até mesmo esses filhos da violência e escravos do sensualismo foram lavados, santificados, justificados (1 Coríntios 6:9-11). "Lavados" no sangue precioso do Redentor que deu Sua vida; "santificados" pelas poderosas operações do bendito Espírito; "justificados" através das misericórdias infini­tamente ternas do Deus da graça. Os que outrora foram um afli­tivo fardo para a terra, vieram a ser o júbilo do céu, o encanto dos anjos".
Agora, a graça de Deus se manifesta no Senhor Jesus Cristo, por Ele e através dEle.-"Porque a lei foi dada por Moisés; a graça e a verdade vieram por Jesus Cristo (João 1:17). Isto não significa que Deus nunca exercera a Sua graça em favor de al­guém antes de encarnar-Se o Seu Filho, Gênesis 6:8; Êxodo 33:19; etc; mostram que a verdade é outra. Mas a graça e a verdade foram plenamente reveladas e perfeitamente exemplifica­das quando o Redentor veio a esta terra e morreu na cruz por Seu povo. Ê somente através de Cristo, o Mediador, que a graça de Deus flui para os Seus eleitos. "Muito mais a graça de Deus e o dom pela graça, que é dum só homem (ou "por um SÔ ho­mem"), Jesus Cristo... muito mais os que recebem a abundância da graça, e o dom da justiça, reinarão em vida por um só — Jesus Cristo ... para que ... também a graça reinasse pela jus­tiça para a vida eterna, por Jesus Cristo nosso Senhor" (Roma­nos 5:15, 17, 21).
A graça de Deus é proclamada no evangelho (Atos 20:24), o qual é para o judeu confiante em sua justiça própria um "es­cândalo" (ou "pedra de tropeço"), e para o grego presunçoso e filósofo "loucura". Por quê? Porque não há nada no evangelho que se preste para gratificar o orgulho do homem. Ele anuncia que se não formos salvos pela graça, não seremos salvos de modo nenhum. Ele declara que, fora de Cristo - o Dom inefável da graça de Deus — o estado de todos os homens é desesperador, irremediável, sem esperança. O evangelho trata os homens como criminosos culpados, condenados e mortos. Declara que o mora­lista mais puro está na mesma condição terrível em que se acha o libertino mais voluptuoso; que o religioso confesso e zeloso, com todas as suas práticas religiosas, não é melhor do que o mais profano infiel.
O evangelho considera a todo descendente de Adão como pe­cador decaído, corrupto, merecedor do inferno e desvalido. A gra­ça que o evangelho divulga é a sua única esperança. Todos per­manecem diante de Deus como réus sentenciados, transgressores da Sua santa lei, como criminosos culpados e condenados, não a espera de alguma sentença, mas esperando a execução da sentença já passada sobre eles (João 3:18; Romanos 3:19). Queixar-se da parcialidade da graça é suicídio. Se o pecador insiste em que se lhe faça a pura justiça, então o "lago de fogo" terá que ser o seu quinhão eterno. Sua única esperança está em render-se a sen­tença que a justiça divina lhe passou, apropriar-se da retidão abso­luta que a caracteriza, lançar-se à misericórdia de Deus, e esten­der mãos vazias para servir-se da graça de Deus, que agora chegou a conhecer por meio do evangelho.
A terceira pessoa da Deidade é o comunicador da graça pelo que e denominado "... o Espírito de graça... " (Zacarias 12-10) Deus, o Pai, é a fonte de toda graça, pois Ele em Si mesmo deter­minou a aliança eterna da redenção. Deus, o Filho, é o único canal da graça. O evangelho é o divulgador da graça. O Espírito é o doador. Ele aplica o evangelho com poder salvador à alma vivificando os eleitos enquanto ainda mortos, dominando as suas von­tades rebeldes, amolecendo os seus duros corações, abrindo-lhes os olhos da sua cegueira, limpando-os da lepra do pecado Pode­mos assim dizer com G. S. Bishop (já falecido): «A graça é uma provisão para homens que se acham tão decaídos que não podem erguer o machado da justiça, tão corruptos que não podem mudar as suas próprias naturezas, tão contrários a Deus que não podem voltar para Ele, tão cegos que não podem vê-10, tão surdos que não podem ouvi-1O, e tão mortos que Ele mesmo precisa abrir os seus túmulos e levantá-los para a ressurreição".
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A MISERICÓRDIA DE DEUS
"Louvai ao Senhor, porque ele é bom; porque a sua begnidade (ou misericórdia) dura para sempre" (Salmo 136-1) Deus deve ser grandemente louvado por esta perfeição do Seu caráter. Por três vezes, em três versículos, o salmista convida os santos a louvarem ao Senhor por este atributo adorável. E cer­tamente é o mínimo que se pode pedir aos que tão copiosamente se beneficiaram dele. Quando ponderamos as características desta excelência divina, não podemos senão bendizer a Deus por ela A Sua misericórdia (ou benignidade), é "grande" (1 Reis 3-6- 1 Pedro 1:3), "abundante" (Salmo 86:5), "terna" (Lucas 1-78 'na versão utilizada pelo autor); "... de eternidade a eternidade so­bre aqueles que o temem..." (Salmo 103:17). Bem podemos dizer com o salmista: "... louvarei com alegria a tua misericór­dia ... (Salmo 59:16).
"... eu farei passar toda a minha bondade por diante de ti e apregoarei o nome do Senhor diante de ti; e terei misericórdia de quem eu tiver misericórdia, e me compadecerei de quem me compadecer" (Êxodo 33:19). Em que a misericórdia de Deus difere da Sua "graça"? A misericórdia de Deus tem sua origem na bon­dade divina. O primeiro fruto da bondade de Deus é Sua benigni­dade ou generosidade, pela qual Ele dá liberalmente a Suas criaturas como criaturas; assim deu Ele o ser e a vida a todas as coisas. O segundo fruto da bondade de Deus é Sua misericór­dia, que denota a pronta inclinação de Deus para aliviar a miséria das criaturas caídas. Assim, "misericórdia" pressupõe pecado.
Embora não seja fácil, à primeira consideração, perceber uma real diferença entre a graça e a misericórdia de Deus, podemos compreendê-la se ponderarmos cuidadosamente os Seus procedi­mentos para com os anjos que não caíram. Ele nunca exerceu misericórdia para com eles, pois jamais tiveram qualquer neces­sidade dela, pois não pecaram, nem ficaram debaixo dos efeitos da maldição. Todavia, eles são objetos da livre e soberana graça de Deus. Primeiro, porque Deus os elegeu do seio de toda a raça angélica (1 Timóteo 5:21), Segundo, e em conseqüência da sua eleição, porque foram preservados da apostasia, quando Satanás se rebelou e arrastou consigo um terço das hostes celestiais (Apocalipse 12:4), Terceiro, tornando Cristo a Cabeça deles (Colossenses 2:10; 1 Pedro 3:22), meio pelo qual eles permanecem eter­namente seguros na santa condição em que foram criados. Quarto, devido à exaltada posição que lhes foi atribuída: viver na pre­sença imediata de Deus (Daniel 7:10), servi-1O constantemente em Seu templo celestial, receber dEle honrosas missões (Hebreus 1:14). Isso é graça abundante para com eles, mas "misericórdia" não é.
No empenho em estudar a misericórdia de Deus como ex­posta nas Escrituras, é preciso fazer uma tríplice distinção, se é que a Palavra da Verdade há de ser "bem manejada" nesse ponto. Primeiro, há uma misericórdia geral de Deus, que se estende não somente a todos os homens, crentes e descrentes igualmente, mas também à criação inteira: "...as suas misericórdias são sobre todas as suas obras" (Salmo 145:9); "... de mesmo é quem dá a todos a vida, e a respiração, e todas as coisas" (Atos 17:25). Deus tem compaixão da criação animal em suas necessi­dades, e a supre de provisão adequada. Segundo, há uma mise­ricórdia especial de Deus, exercida para com os filhos dos homens, ajudando-os e socorrendo-os, apesar dos seus pecados. Também a estes Deus supre todas as necessidades da vida: "... porque faz que o seu sol se levante sobre maus e bons, e a chuva desça sobre justos e injustos" (Mateus 5:45). Terceiro, há uma miseri­córdia soberana, reservada para os herdeiros da salvação, comu­nicada a estes por meio de uma aliança, através do Mediador.
Acompanhando um pouco mais a diferença entre o segundo e o terceiro pontos distintivos acima expostos, é importante notar que as misericórdias que Deus concede aos ímpios são exclusiva­mente de natureza temporal; quer dizer, limitam-se estritamente a presente vida. Não haverá misericórdia que se estenda a eles além-tumulo: "... este povo não é povo de entendimento- por isso aquele que o fez não se compadecera dele, e aquele que o formou não lhe mostrará nenhum favor" (Isaías 27:11) Neste ponto, porém, pode oferecer-se uma dificuldade a algum dos nos­sos leitores, a saber: não afirmam as Escrituras que a misericórdia de Deus, “...a sua benignidade dura para sempre"? (Salmo 13b: 1)7 E preciso assinalar duas coisas neste contexto. Deus nunca deixa de ser misericordioso, pois isto constitui uma qualidade da essência divina (Salmo 116:5); mas o exercício da Sua misericór­dia e regulado por Sua vontade soberana. Tem que ser assim, pois não ha fora dEle coisa nenhuma que O obrigue a agir; se hou­vesse, essa "coisa" seria suprema e Deus deixaria de ser Deus. É somente a pura graça soberana que determina o exercício da misericórdia divina. Deus afirma expressamente este fato em Romanos 9:15: "Pois diz a Moisés: Compadecer-me-ei de quem compadecer, e terei misericórdia de quem eu tiver misericór­dia. Não e a desgraça da criatura que O leva a mostrar misericórdia, pois Deus não é influenciado por coisas alheias a Si mesmo, como nós somos. Se Deus fosse influenciado pela miséria abjeta dos pecadores leprosos, Ele os limparia e os salvaria a todos. Mas não o faz. Por quê? Simplesmente porque não é do Seu agrado e do Seu propósito agir assim. Menos ainda são os méritos da criatura que O levam a conceder-lhes misericórdias, pois é uma contradição de termos falar em merecer "miseri­córdia”. "Não petas obras de justiça que houvéssemos feito, mas segundo a sua misericórdia, nos salvou..." (Tito 3:5) — aquelas estando em direta antítese a esta. Tampouco são os méritos de Cristo que movem Deus a conceder misericórdias aos Seus elei­tos; isto seria tomar o efeito pela causa. É "através" ou por causa da misericórdia de Deus que Cristo foi enviado ao mundo, ao Seu povo (Lucas 1:78). Os méritos de Cristo tornaram possí­vel a Deus conceder justamente misericórdias espirituais aos Seus eleitos, tendo sido satisfeita plenamente a justiça pelo Fiador! Não, a misericórdia provém unicamente da vontade soberana de Deus.
Ademais, conquanto seja verdade, bendita e gloriosa verdade, que a misericórdia de Deus "dura para sempre", devemos obser­var cuidadosamente os objetos a quem Deus mostra misericórdia. Até o lançamento dos reprovados no "lago de fogo" é um ato de misericórdia. O castigo dos ímpios deve ser considerado de um tríplice ponto de vista. Do lado de Deus, é um ato de justiça, vindicando a Sua honra, A misericórdia de Deus nunca se mostra cm detrimento da Sua santidade e justiça. Do lado dos ímpios, é um ato de eqüidade, dado que são postos a sofrer a merecida re­compensa das suas iniqüidades. Mas do ponto de vista dos redi­midos, o castigo dos ímpios é um ato de indescritível misericórdia.Quão terrível seria se a presente ordem de coisas continuasse para sempre, quando os filhos de Deus são forçados a viver no meio dos filhos do diabo! O céu logo deixaria de ser céu, se os ouvi­dos dos santos ainda ouvissem a Linguagem blasfema e corrom­pida dos reprovados. Que misericórdia, o fato de que na Nova Jerusalém não entrará “ ...coisa alguma que contamine, e cometa abominação... " (Apocalipse 21:27)!
Para que o leitor não pense que no último parágrafo acima estivemos laborando sobre a nossa imaginação, apelemos para as Escrituras Sagradas em apoio do que foi dito. No Salmo 143:12 vemos Davi orando: "E por tua misericórdia desarraiga os meus inimigos, e destrói a todos os que angustiam a minha alma: pois sou teu servo". Ainda, no Salmo 136:15 lemos que Deus "derribou a Faraó com o seu exército no Mar Vermelho; porque a sua benignidade (ou misericórdia) dura para sempre". Foi um ato de castigo a Faraó e aos seus exércitos, mas foi um ato de "mise­ricórdia" para os israelitas. Mais ainda, em Apocalipse 19:1-3 lemos: "... ouvi no céu como que uma grande voz de uma gran­de multidão, que dizia: Aleluia; Salvação, e glória, e honra, e poder pertencem ao Senhor nosso Deus; porque verdadeiros e jus­tos são os seus juízos, pois julgou a grande prostituta, que havia corrompido a terra com a sua prostituição, e das mãos dela vingou o sangue dos seus servos. E outra vez disseram: Aleluia. E o fumo dela sobe para todo o sempre".
Do que se acaba de ver diante de nós, notemos como é vã a presunçosa esperança dos ímpios que, apesar do seu continuado desafio a Deus, mesmo assim contam com uma atitude misericor­diosa de Deus em favor deles. Quantos há que dizem: não acre­dito que Deus me lançará no inferno; Ele é muito misericordio­so. Essa esperança é uma víbora que, se for acalentada no colo deles, irá feri-los com picada morta!. Deus é Deus de justiça, como de misericórdia, e Ele declarou expressamente que "... ao culpa­do não tem por inocente..." (Êxodo 34:7). Sim, Ele disse: "Os ímpios serão lançados no inferno e todas as gentes que se esque­cem de Deus" (Salmo 9:17). Também poderiam raciocinar os homens: se se deixasse acumular o lixo, e os esgotos ficassem estagnados, e as pessoas ficassem privadas de ar renovado, não acredito que um Deus misericordioso as deixaria cair presas de uma febre mortal. O fato é que aqueles que negligenciam as leis da saúde são tomados pela doença, apesar da misericórdia de Deus. Igualmente verdade é que os que negligenciam as leis da saúde espiritual sofrerão para sempre a ''segunda morte".
É indizivelmente grave ver tantos abusando desta perfeição divina. Continuam desprezando a autoridade de Deus, pisoteando Suas leis; continuam em pecado, e ainda se vangloriam apoiados na Sua misericórdia. Mas Deus não será injusto para Consigo mesmo. Deus mostra misericórdia para o penitente sincero, não porém para o impenitente (Lucas 13:3). É diabólico continuar em pecado e ainda contar com a misericórdia de Deus para a proscrição do castigo. Equivale a dizer: "Façamos males, para que venham bens". Dos que falam assim, está escrito: "... A con­denação desses é justa' (Romanos 3:8). Com toda a certeza, essa presunção se verá frustrada; leia cuidadosamente Deuteronômio 29:18-20. Cristo é a propiciação espiritual, e todos quantos des­prezarem e rejeitarem o Seu senhorio, perecerão "... no caminho, quando em breve se inflamar a sua ira" (Salmo 2:12).
O nosso pensamento final será sobre as misericórdias espiri­tuais de Deus para com o Seu povo. "... a tua misericórdia é grande até aos céus..." (Salmo 57:10). As riquezas da miseri­córdia transcendem os nossos mais elevados pensamentos. "Pois quanto o céu está elevado acima da terra, assim é grande a sua misericórdia para com os que o temem" (Salmo 103:11). Nin­guém pode medi-la. Os eleitos são designados "... vasos de mi­sericórdia..." (Romanos 9:23). Foi a misericórdia que os vivi-ficou quando estavam mortos em pecado (Efésios 2:4-5). A mi­sericórdia os salvou (Tito 3:5). Sua abundante misericórdia os regenerou para uma herança eterna (1 Pedro 1:3). E nos faltaria tempo para falar da misericórdia de Deus que preserva, sustenta, perdoa e supre os Seus. Para eles Deus é "... Pai das misericór­dias..." (2 Coríntios 1:3).
Quando em elevação minha alma sonda
as Tuas misericórdias, ó meu Deus,
a visão me arrebata, e então me absorvo em encanto,
em amor e em louvor.

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