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sexta-feira, 6 de julho de 2012

Uma catástrofe gentil




Uma pessoa inteligente que preze a sua tradição religiosa não vai aproximar-se a sério da ideia messiânica, porque o vento messiânico traz invariavelmente a ameaça de perturbações e de inovações teológicas – colocando desse modo em risco as tradições que definem e sustentam a própria religião.
Uma pessoa boa que se importe com a gente comum não vai se aproximar a sério da ideia messiânica (não vai em especial se colocar numa posição em que possa ser considerada ela mesmo o messias) porque ninguém ignora que na própria noção de messianismo está, em termos históricos e ideológicos, embutida a necessidade de violência.
No fim das contas, o messianismo é a expectativa de uma resolução violenta – isto é, não consensual ou gradual – para as tensões que apertam uma determinada subcultura. A realização sem trâmites da utopia encontra todo o tipo de resistência, exigindo desse modo grande dispêndio de energia. Por esse motivo, quando foram tentados na prática os movimentos messiânicos mostraram-se quase invariavelmente associados a revoluções, ao recrudescimento de tensões raciais e sociais e ao derramamento de sangue.
E só se pode dizer “quase invariavelmente”, claro, por causa de Jesus.
Jesus, pelo que sabemos, era um cara inteligente que prezava a sua tradição religiosa e um homem bom que se importava com a gente comum, mas isso não o impediu de aproximar-se do terreno minado da ideia messiânica. O que distingue o movimento inspirado por ele dos outros desse gênero que vieram antes e depois não está em que Jesus se abstinha de pregar ou anunciar a catástrofe – mas em que ele anunciava a gentil catástrofe da irmandade universal.
E, não importa o que você pense, o mundo estava mais preparado para a notícia de um império mundial controlado pela fria espada de um descendente de Davi no trono de Jerusalém do que para a noção de que todos os seres humanos são irmãos livres debaixo da aprovação invariável de um mesmo Pai.
A mensagem de Jesus de Nazaré era tão desarmantemente original, tão exigente e radical em apresentação e em desdobramentos, que manteve seu cerne não-violento mesmo depois que seu proponente saiu de cena e deixou de controlar a coisa toda pessoalmente. Até ser engolido, assimilado e vomitado em forma inversa pelo Império, no quarto século, o movimento de Jesus manteve-se consistentemente não-violento e popular – e isso numa época em que era raríssimo que as duas coisas andassem juntas.
Gente como nós, criada no leite inofensivo da ideologia pop da não-violência, pode ter perdido a capacidade de assombrar-se diante do quanto soava improvável e radical, dois mil anos atrás, a ideia de um movimento popular não-violento. Pode ser útil lembrar que uma postura radical de não-violência era coisa improvável há meros cem anos, e que em tantos sentidos permanece sendo nos nossos dias.
Claro que Jesus mal havia não esfriado no túmulo e começou a circular a versão de que sua passagem pela terra não havia sido suficiente, isto é, que seu método não devia ser considerado válido. O messianismo não-violento de Jesus não podia ser tolerado, pelo que ficou resolvido que sua visita pacífica tinha sido apenas a primeira – o que anulava em grande parte a sua singularidade. Decidiu-se que ele deve voltar desta vez valendo, de espada na mão, pra mostrar quem é que manda e botar ordem neste barraco.


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Um comentário:

  1. muito bom. gostei. parabens pelo espaço. ja estou seguindo. abraços lamarque

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