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terça-feira, 26 de outubro de 2010

Como reconhecer, entre dois discípulos, um apóstolo - Paulo Brabo

 




Alcançado com a vista por   Paulo Brabo
Num daqueles dias, quando os que estavam reunidos eram cerca de cento e vinte pessoas, Pedro levantou-se no meio dos discípulos e disse:
– Homens irmãos, era necessário que se cumprisse essa passagem das Escrituras, aquilo que o Espírito Santo predisse pela boca de Davi a respeito de Judas, que foi o guia dos que prenderam Jesus; porque ele era um de nós e participou do nosso trabalho.
(Ele comprou um terreno com a recompensa da sua perversidade, e ao cair ali arrebentou-se ao meio, e todas as suas vísceras se derramaram. Isso foi conhecido de todos os moradores de Jerusalém, de modo que o terreno recebeu na linguagem
deles o nome de Aceldama, isto é, campo de sangue).

– Pois no livro de Salmos está escrito: "que a sua residência fique deserta, e não haja quem more nela", e também: "que outro assuma a função dele". Então é necessário que, dos homens que nos acompanharam durante todo o tempo em que o Senhor Jesus conviveu conosco, a começar do batismo de João até o dia em que ele foi recebido no alto diante
de nós, um desses torne-se conosco testemunha da ressurreição dele.

Foram então apresentados dois nomes: José Barsabás, que também era conhecido como Justo, e Matias.
Eles então oraram:
– Senhor, que conhece o coração de todos, mostre qual destes dois o senhor escolheu para tomar parte deste encargo do apostolado, do qual Judas se desviou para ir ao seu devido lugar.
Fizeram então um sorteio com os nomes, e a sorte caiu sobre Matias; ele foi assim somado aos onze apóstolos.
Atos 1:15-26


Então, enquanto aguardam a chegada do dom do céu que iria ensiná-los a ser testemunhas, ocorre aos discípulos, para preencher o silêncio, decidir por si mesmos o que é ser uma.
Ressentindo-se da lacuna deixada pela traição do Iscariotes, Pedro levanta-se e propõe (citando versos vagamente contraditórios do livro de Salmos) que o grupo reunido escolha um dos discípulos para unir-se aos onze apóstolos restantes, de modo a completar "o grupo dos doze".
Não se deixe enganar pela singeleza da narração: trata-se de ocasião tremendamente momentosa, que derramará profundas fissuras Novo Testamento adentro. Pedro não está aqui apenas advogando a consistência numérica ou tentando preservar de modo inocente uma tradição iniciada por Jesus. O que acontece é mais ambicioso e mais prenhe de conseqüências.
Pedro está, por iniciativa própria, definindo o que Jesus queria dizer – e com que estava falando – quando observou, antes da ascensão: "vocês receberão o poder do Espírito Santo e serão minhas testemunhas". Selecionar é interpretar, e Pedro pede que encontrem "um homem que acompanhou os doze durante todo o tempo em que Jesus conviveu com eles, a começar do batismo de João até o dia em que ele foi recebido no alto diante deles". Embora fosse provavelmente seletiva o bastante para eliminar a maior parte dos discipulos reunidos naquele dia, essa descrição não é definição de Pedro de uma testemunha, mas de um candidato a testemunha.
Quando dois nomes são indicados, o grupo vê-se obrigado a eliminar um – visto que na interpretação de Pedro os apóstolos divinamente apontados não poderão ser mais do que doze, conforme a configuração original. O ajuntamento solicita austeramente a predileção divina e realiza um sorteio, que consagra Matias e elimina da corrida Barsabás – não que nem um nem outro voltem a ser mencionados na história.
Com isso fica claro de antemão, diante do grupo, que a condição de testemunha de Cristo é algo a que nem todos – na verdade, muito longe disso – podem almejar. Pedro estabelece tanto os requerimentos formais da posição quanto os limites da sua circunscrição – e assim, num golpe só, transforma uma idéia que Jesus deixara no ar numa muito rígida instituição.
Ficou estabelecida, nesse único gesto, a tradição que viria a ser conhecida como autoridade apostólica: a noção de que o círculo mais interno de doze discípulos (justamente por terem estado mais perto de Jesus, no sentido literal) desfrutava de uma espécie de inalienável aval divino. O parecer desse grupo de apóstolos passava a ser considerado inquestionável tanto em termos administrativos quanto teológicos. Dito sem rodeios, Jesus mal havia esfriado no túmulo e os discípulos já haviam inventado uma hierarquia (com o passar dos tempo, interpretou-se que essa autoridade ia sendo transferida para os novos discípulos que viveram mais perto deste círculo inicial de discípulos, e assim por diante até o infinito. A autoridade espiritual reduzira-se a traços de uma radioatividade original que ia se esvaindo).
Jesus dissera que os discípulos aguardassem o poder do alto, mas Pedro, do alto de sua posição, já está distribuindo poder. O que redime a história é que o Espírito de Cristo, onde quer que esteja nesse momento, tem outras idéias.


http://www.baciadasalmas.com/2008/como-reconhecer-entre-dois-discipulos-um-apostolo/

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